sábado, 7 de janeiro de 2012

O Navio


Era uma vez um navio.
Era um navio antigo mas à primeira vista aparentava estar em bom estado…só à primeira vista…porque um segundo ou terceiro olhar revelava que só aparentemente aquela nau estava em condições. Anos e anos em que as necessárias manutenções se resumiram a camadas de tinta sobre a ferrugem que grassava nas entranhas do aço, transformaram aquele navio em “bibelot” de cais. O lugar dele era bem amarrado a porto seguro.
Em determinada altura a tripulação deste navio achou que este não era inferior a outros navios e que o lugar dele era em alto mar, desafiando a força dos oceanos e partindo à conquista do seu lugar no mundo. Algumas vozes mais avisadas atreveram-se a dizer aquilo que estava à vista de todos, mas ninguém quis ver…este navio só se poderia aventurar em mar alto depois de uma grande revisão, onde todas as suas debilidades estruturais fossem resolvidas. Era um trabalho árduo, mas na opinião destes (poucos) tripulantes tinha que ser feito, sob pena da nau não aguentar os primeiros sinais de intempérie.
Estas vozes foram de pronto silenciadas pelas vozes dos “aventureiros” que queriam rapidamente reclamar o seu lugar no mar da prosperidade e modernidade. “Velhos medrosos…nem mera nota serão nos livros de história” – disseram.
E partiram, numa manhã radiosa, de mar chão e vento fraco…e os primeiros tempos de navegação foram calmos…ou pelo menos assim aparentavam. Uma ou outra avaria na máquina era resolvida com o espírito desenrascado que era característica desta tripulação, e grande parte dos tripulantes nem davam por nada, inebriados que estavam pela antevisão do novo mundo e das suas riquezas.
Foi sem aviso que surgiu a tempestade perfeita. Condições favoráveis para tal, fizeram com que ventos e vagas de proporções bíblicas se levantassem e fustigassem sem piedade o pobre navio.
Como seria de esperar todas as debilidades vieram ao de cima. O casco carcomido pela ferrugem rapidamente abriu brechas e a água entrava inclemente num dos compartimentos. A prioridade agora era, só podia ser, manter o navio à tona.
Como infelizmente é vulgar em situações de emergência, nem todos os tripulantes actuaram em conjunto…de facto as atitudes eram bem díspares.
Alguns, achando que a responsabilidade não era deles recolheram aos seus aposentos adoptando uma postura de “alguém há-de levar o navio ao porto…logo se verá”.
Outros, iluminados certamente, acham que é agora que se deve começar a fazer a grande revisão que este navio sempre necessitou, ignorando olimpicamente o mar revolto e o facto, para eles despiciendo, de o navio se estar a afundar “temos que tornar este navio tão robusto como os outros” – diziam.
Havia ainda alguns que se deram ao luxo de passar para um navio que passava perto, dizendo que a culpa daquilo não era deles, e que estavam no seu direito de salvar a vida…”encontramo-nos no porto” – diziam estes.
E o comandante? Que fez? Que ordenou?...Bom o comandante em vez de tentar rapidamente vedar as brechas por onde entrava água, manobra arriscada diga-se, optou por uma solução mais radical “fechem a porta estanque do compartimento que mete água” – disse o senhor. Era uma solução…o compartimento ficaria alagado, inutilizado, mas o navio teria reserva de flutuabilidade para continuar à tona. Penso que alguém ainda alertou o comandante para o facto desta solução tirar ao navio grande parte das suas características…e se o navio não ia ao fundo…também não andava para a frente; “comandante, se formos forçados a fazer o mesmo noutro compartimento ficamos quase parados e sujeitos a toda a violência da tempestade” – disseram. O comandante foi irredutível, manter o navio a flutuar era o seu desígnio…mesmo que não fosse para lado nenhum.
E falta alguém? Sim falta…aqueles de quem não reza a história…um punhado de loucos que continuam, não desistem, cumprem, obedecem, não discutem, trabalham até à exaustão e só admitem parar quando o navio chegar ao porto.
Qual o fim desta odisseia?…não sei! Não sei se o navio chega ao porto, se afunda, se chega a um porto que não pretende…só tenho a certeza absoluta de uma coisa…aqueles que levarem o navio ao porto…são exactamente aqueles que não vão ter qualquer tipo de reconhecimento…todos os outros de uma forma ou de outra serão heróis…

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Conversas Imaginárias - Soares dos Santos e o Grilo Falante

(excerto de uma curta conversa entre Alexandre Soares dos Santos-ASS e Grilo Falante-GF, a sua consciência)
GF – Alexandre…onde estás homem?
ASS – estou aqui Grilo…mas aviso já que não estou de bom humor, e estou sem paciência para ouvir quem quer que seja, muito menos a minha consciência.
GF – Que se passa homem?
ASS – Então não deste por nada? Esta semana houve um verdadeiro assassinato de carácter …do meu carácter…como é possível haver por aí gente a insinuar que fui para a Holanda para fugir aos impostos…eu sou um patriota!
GF – Ah …essa história…pois não foi bonito…mas houve alguns comentadores independentes que te defenderam.
ASS - Sim...isso é verdade! (não viste tu os cabazes de natal que eles receberam)
ASS – Em todo o caso, só me limitei a fazer o que qualquer cidadão faria se pudesse…mudar para onde me oferecem melhores condições!
GF – Dizes bem xandinho (nome carinhoso exclusivo dos mais próximos)…se pudesse…o problema é que não pode!
ASS – E então? Eu tenho que zelar pelas minhas empresas…não esqueças que sou responsável por milhares de trabalhadores…ou queres que eu comece a despedir…eu não posso fazer isso…eu sou um patriota!
ASS – E além do mais, se Portugal não é um País atractivo para os investidores a culpa não é minha, é dos políticos!
GF – Certo, aí tens razão! Mas não achas que se neste momento difícil, empresários como tu transmitissem um maior espírito de solidariedade, mesmo com algum prejuízo, poderiam contribuir para que no futuro fossemos um pouco como a Holanda…com uma sociedade mais madura, esclarecida, um maior espírito de coesão nacional e maior noção do bem comum?
ASS – Ouve lá ó Grilo…tu tas doido! Porque é que tu achas que eu não tenho lojas na Holanda?  Nem na Suécia? Nem na Noruega? Nem na Islândia?
GF – Pois é não tens…porquê?
ASS – Ora…porque eles possuem a tal sociedade madura e esclarecida! Achas que eu conseguia mudar hábitos de consumo na Suécia ou na Holanda pondo uma tipa esganiçada a “cantar” que no Pingo Doce o preço é baixo o ano inteiro? Achas que nestes países eu conseguiria forçar os produtores a vender-me ao preço que eu quero e não ao preço que é justo? Seria uma desgraça!!
GF – Espera lá…o que tu me estás a dizer é que há sítios para ganhar e dinheiro e sítios para o guardar…é isso?!
ASS – Bem…de uma forma simplista…sim…é isso.
GF – E tu não achas que um dia os cidadãos dos países onde tu ganhas dinheiro podem achar isso…deixa lá por isto de uma forma simplista…uma exploração!
ASS – Claro que não Grilo…isto é apenas…gestão inteligente!
GF – AAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH ok xandinho!

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O Dia Sem Pingo Doce

Ontem ao saber da notícia relativa à passagem da sede do grupo de Alexandre Soares dos Santos para a Holanda, manifestei o meu repúdio pela acção, no que fui seguido por milhares de facebookianos. Também constatei que outros tantos apoiaram a acção do dito senhor, tendo justificado o seu apoio por variadas razões.
Manifestei também a minha intenção de não voltar a por os pés num Pingo Doce e devo confessar que gostaria que esta minha atitude fosse seguida por todos os portugueses durante 24 horas…e porquê? Passo a explicar:
Nada me move contra o senhor Alexandre Soares dos Santos, nem contra o Pingo Doce, nem contra nenhum dos accionistas do grupo. Reconheço o direito às empresas de irem em busca do melhor “terreno” para lançar as suas sementes e promover melhores colheitas, passo a metáfora agrícola.
Não aceito o argumento dos defensores desta acção que dizem: vocês se pudessem faziam o mesmo! Este argumento está inquinado à partida desde logo devido ao tempo do verbo – condicional – “se pudessem”…a verdade é que nem toda a gente pode. Basta dar uma olhada no intricado organigrama do grupo para perceber que operações deste tipo movimentam uma equipa pluridisciplinar de consultoria fiscal, financeira e legal impossível de conseguir por qualquer empresa ou particular…ou seja só podem alguns, muito poucos, o que desde logo acarreta um profundo ónus de injustiça.
Mas o verdadeiro problema disto não é onde o senhor Alexandre põe o seu dinheiro. O problema desta acção, e por isso me insurjo com veemência é o sinal que este senhor, que noutros tempos se arvorou em bastião da ética e moralidade, está a dar a todos os seus concidadãos. O senhor Alexandre sabe bem que não é um cidadão qualquer. O senhor Alexandre sabe que tem uma exposição mediática e que as suas acções são vistas muito para além do óbvio. E se o óbvio é que a holding se instalou onde lhe davam melhores condições, a mensagem subliminar que o senhor Alexandre passou foi – Cada um por si – no preciso momento em que se pede que aceitemos todos os sacrifícios em prol de um bem maior. Neste momento já há Portugueses a conjecturar se o “bem maior” não será a conta bancária do senhor Alexandre.
Por isso é que eu gostaria que se fizesse o “Dia Sem Pingo Doce”…não para causar dano ao senhor Alexandre…mas para sentir que existimos enquanto povo…e para mostrar aos “Alexandres” que também sabemos enviar sinais…mas também não me iludo…somos o que somos…e por isso é que os Alexandres montam os negócios cá…na Holanda, na Suécia, na Dinamarca…os povos têm identidade, vontade e não aceitam tudo.