Ainda hoje é uma das cenas da 7ª arte que mais recordo. Foi num dos meus Soderbergh preferidos – Traffic. Um velho e experiente general (desempenhado pelo James Brolin se a memória me não falha), fazia a “passagem de testemunho”, na autoridade que coordenava a luta contra o tráfico de droga a um mais jovem e conservador magistrado (Michael Douglas). O velho general contava a história do antigo líder russo, Kruschev, que quando forçado a sair, se sentou, escreveu duas cartas e entregou-as ao seu sucessor com a seguinte recomendação:
“Quando chegares a uma situação de onde não consigas sair, abre a primeira carta e estarás safo. Quando voltares a encontrar-te neste tipo de situação delicada abre a segunda carta”
E o novel dirigente assim fez. Rapidamente chegado a um beco sem saída, abriu a primeira carta que simplesmente dizia: “Culpa-me de tudo”.
E a solução revelou-se eficaz. Tudo era culpa do passado.
Mas com o passar dos tempos, de novo se chegou a uma situação limite.
Esperançado, o dirigente abriu a segunda carta que dizia: “Senta-te e escreve duas cartas!”
Mais do que o conteúdo das duas cartas, a cena impressiona pela carga metafórica do velho general, vergado pelo saber de experiência feito, consciente das suas próprias (in)capacidades em contraponto ao jovem juiz, crente que a sua motivação, as suas convicções e os seus princípios iriam fazer a diferença.
Desde o 25 de Abril de 1974 que este é um filme que se repete vezes sem conta. E sejamos justos, este filme passa com sucesso em quase todas as salas (países democráticos) do mundo. E repete-se porque no essencial, o público desta película tem-se limitado a dizer que quer uma mudança de actores. O público, de facto, nunca afirmou que queria ver outro filme.
Eis-nos chegados à apresentação do orçamento 2012.
Em primeiro lugar, tal como o proverbial relógio partido que dá horas certas duas vezes ao dia, também Sócrates (embora me custe admitir) tinha razão. O Passos não estava preparado para o cargo.
Embora não goste de rótulos, gosto de pensar em mim como um liberal. Mas um liberal porquanto não tenho preconceitos e limitações a qualquer tipo de ideologia (democrática bem entendido). Acredito firmemente que actuações baseadas em dogmas, e princípios exageradamente rígidos só podem ter um fim – a ruptura.
É com tristeza que vejo o meu país à beira do abismo.
É com tristeza que constato que Passos abriu “a primeira carta” e que está a utilizá-la para justificar a aplicação de uma receita baseada em teses meramente académicas, princípios desajustados e injustos e cujo objectivo é não, tirar a nossa economia do beco em que se encontra, mas tão somente criar para si próprio um currículo que claramente não tem. Ou seja, Passos o “corajoso” que avançou sem medo contra os poderes instalados, e só não conseguiu o seu objectivo por duas razões:
1. A herança recebida
2. A conjuntura externa
Só que Passos não afronta rigorosamente nada.
Passos limita-se a aniquilar completamente a classe média deste país.
Passos só tem um argumento – ou isto ou o caos! Pouco inovador Passos…pouco inovador!
Passos recusa-se a renegociar a dívida, não por receio da penalização futura dos mercados, mas porque não quer ficar com o ónus político da “capitulação”.
Alguém deveria lembrar ao senhor que foi eleito para defender os melhores interesses da nação e não os do seu ego carente de reconhecimento.
Alguém deveria lembrar ao senhor que a sua obstinação desmesurada vai liquidar milhares de microempresas, algumas com mais de meio século de existência.
Alguém deveria lembrar ao senhor que os verdadeiros líderes nunca se resignaram aos caminhos impostos…ao invés fizeram o seu próprio caminho.
E a cereja da estupidez, no topo do bolo da desgraça, é o facto de quando mais necessidade temos de um país unido, mais este chefe de coisa nenhuma toma medidas que nos desunem:
- Ao eleger os funcionários públicos como destinatários principais da maioria dos sacrifícios o Passos está indirectamente a sectorizar responsabilidades.
- Ao condenar o sector da restauração à falência e em cima disto querer promover a fiscalização popular (correm rumores que as facturas da restauração poderão vir a ser abatidas no IRS) destas empresas o Passos está indirectamente a afirmar que os senhores da restauração fogem ao fisco
Esta pobre alma penada quer arranjar bodes expiatórios que não lhe remexam nos esqueletos que tem no armário.
E os custos do apoio ao BPP (sabiam que ainda à gente a receber ordenados neste banco que não é banco)?
E os custos do BPN?
E os custos das PPPs (e não culpem só o Sócrates por estes)?
E os custos das empresas municipais?
E os custos dos desmandos do Jardim?
Foram os funcionários públicos que provocaram isto? Foi o Joaquim da taberna que não pagou IVA da meia dúzia de euros que facturou que levou o país a este ponto?
Passos…eu já disse milhares de vezes…tu não és mais do mesmo…tu és um sonso…e já dizia a minha mãe: os sonsos são sempre os piores!
O meu único, fraco, consolo, é que pelo andar da carruagem estás aqui estás a escrever duas cartas!
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